Giorgia Meloni é um perigo para a Itália e o resto da Europa?

26/09/2022 - 22:46 - Opinião

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Giorgia Meloni é um perigo para a Itália e o resto da Europa?

A Itália terá a primeira mulher primeira-ministra de extrema-direita na Europa Ocidental do pós-guerra: Giorgia Meloni. De acordo com os resultados quase finais, a coalizão de direita, liderada pelo partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália, em português) de Meloni e acompanhada pelo La Lega (A Liga, em português) de Matteo Salvini e Forza Italia (Força, Itália) de Silvio Berlusconi, obteve quase 44% dos votos.

 

Sozinho, seu partido pós-fascista Fratelli d’Italia obteve 26% dos votos, tornando-o o maior partido nacionalmente. No geral, a coalizão de direita que agora lidera terá uma maioria considerável nas duas casas do parlamento. Com o percentual de votos alcançado, o grupo não precisará negociar as suas pautas com parlamentares de outros partidos.

 

Parte da explicação para o resultado do pleito está na fraqueza da oposição. O eclético MS5 (Movimento Cinco Estrelas), de Guiseppe Conte, que obteve 15% dos votos e o PD (Partido Democrata) de centro-esquerda de Enrico Letta, que obteve 19% não uniram forças e, depois de anos sem melhorar os padrões de vida da classe trabalhadora, não conseguiram reunir a base histórica da esquerda. A participação também foi de longe a mais baixa da história da república, com apenas 64% dos italianos votando.

 

Mas até que ponto a Europa deve temer Giorgia Meloni?Giorgia Meloni representa um perigo para o equilíbrio democrático na Europa. Sua liderança parece ser a antítese do que a Itália precisa, e não apenas neste momento difícil. O FdI tem suas raízes no neofascismo. Em seus discursos, Meloni critica a imigração e afirma que “toda a nossa identidade está sob ataque”. Ela já acusou a União Europeia de ser cúmplice na “substituição” étnica. 

 

A inspiração moral e econômica de Meloni é Viktor Orbán, o homem que nos últimos anos destruiu a oposição na Hungria e alcançou legitimidade ao armar o consenso popular. Ele forneceu uma sensação efêmera de segurança, mas os húngaros pagaram caro por isso na forma de instabilidade econômica e, acima de tudo, na perda de seus direitos.

 

Embora negue ser fascista, ela se apega a slogans da era Mussolini, como “Deus, pátria, família”. Durante uma entrevista na atual campanha eleitoral, ela disse que “Dio, patria, famiglia” (Deus, pátria, família) não era um slogan fascista, mas uma bela declaração de amor. Aos que se lembram com medo e tristeza de que o slogan estava por toda parte durante o regime fascista, pintada nas paredes, nas entradas dos estabelecimentos e impressa nos livros escolares, ela rebateu que a citação original era do revolucionário italiano Giuseppe Mazzini.

 

Deus, para ela, não parece representar a fé, mas sim uma espécie de catolicismo imposto como a única religião digna de direitos. As fronteiras da pátria devem ser defendidas, com violência se necessário, e a família não é o berço do afeto, mas da imposição, obrigação e prescrição. A família é sempre heterossexual, seus filhos nascidos e reconhecidos na forma imposta.

 

As verdadeiras crenças e objetivos de Meloni podem não parecer exatamente os mesmos, mas suas palavras muitas vezes carregam ecos de Mussolini. Seus discursos baseiam-se na necessidade de identidade, no medo muito humano de ser marginalizado ou passar despercebido. Em suas mãos a identidade torna-se uma ferramenta de propaganda para dividir o mundo em “nós e eles”, onde “eles” são comunidades LGBTQIA+, imigrantes ou aqueles que não se veem representados nas estruturas estabelecidas ou nos rótulos impostos por outros. A impressão que se dá é que “eles” são as pessoas más, que colocam em risco a identidade de toda a nação.

 

O totalitarismo, desde o início dos tempos, alavancou esses medos para convencer as pessoas a se privarem voluntariamente de seus próprios direitos, com a promessa de serem defendidas de um inimigo externo comum.

 

Manter uma associação com o neofascismo colocaria Meloni em uma posição muito desconfortável internacionalmente. Ela optou, portanto, por um rebrand parcial. Os Fratelli d’Italia mantém o mesmo logotipo – uma chama tricolor com as cores italianas – usado pelo agora extinto Movimento Social Italiano (MSI), onde ela começou sua carreira política como uma jovem ativista. O MSI é um movimento neofascista fundado em 1946 por partidários do regime como Pino Romualdi, uma figura de destaque no partido fascista, e Giorgio Almirante, que foi condenado por colaborar com as tropas nazistas.

 

Meloni aparece como a figura política italiana mais perigosa atualmente não somente porque evoca o fascismo ou as práticas dos squadristi (milícia) de camisas negras, mas por causa de sua ambiguidade e da sua aproximação com a escola de mentiras políticas de Berlusconi e sua cartilha populista.

 

Embora a líder da extrema-direita seja uma figura política relativamente inexperiente e possa ter pouco impacto na política europeia, o perigo surge para a Europa porque a Itália sempre foi um laboratório e prenunciou as crises de outros países. A Itália teve Mussolini antes de Hitler. Teve as Brigadas Vermelhas extremistas de esquerda antes da Action Directe aparecer na França e a Facção do Exército Vermelho seguir o exemplo na Alemanha. A Itália teve Berlusconi antes que os EUA tivessem Trump. E depois de anos de desgoverno de Berlusconi, a Itália produziu o Movimento Cinco Estrelas, o primeiro partido populista liderado por um comediante, muito antes de outros países europeus seguirem o exemplo.

 

 

Por Ricardo Medeiros